Liberdade na sociedade
"O homem nasce livre e, por toda parte, encontra-se a ferros." Jean-Jacques Rousseau
Uma das maiores conquistas da humanidade foi desenvolver a sociedade: homens, mulheres e crianças convivem no mesmo espaço cívico, produzindo objetos domésticos, instrumentos de trabalho, vestuário, edificações, comércio, templos, indústrias e conhecimento variados em escolas, laboratórios e universidades.
Junto com a sociedade foi necessário estabelecer regras de convívio para evitar atos de prepotência dos fortes sobre os fracos e para estabelecer a liberdade de ação e pensamento de todos os integrantes. A liberdade social, portanto, baseia-se em direitos e deveres comuns e não na
libertinagem - ideia de que cada um faz o que quer e quando quer. A liberdade individual tem que ser respeitada, mas repreendida quando prejudica a qualidade de vida na coletividade. Por isso existem regras que proíbem roubar, matar, poluir.
A sociedade livre perde valor quando é sufocada ou impedida por interesses privados, egoístas ou racistas, como nos casos de escravidão, prisão injusta, exploração ou privação do trabalho, de governos autoritários ou quando a própria pessoa dela abdica, por comodismo, insegurança ou descrença.
A Constituição Federal brasileira de 1988 assegura a liberdade para todos os cidadãos, bastando, para isso, nossa vontade para exigir que ela se cumpra. Diz o artigo 5º:
todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade.
Para refletir sobre o que foi dito, analise os trechos a seguir, extraídos da obra
O Contrato Social, de Jean-Jacques Rousseau. Leia-os e associe com o tema construção do sujeito moral e com a dinâmica do cego e do guia ( uma pessoa guia o outro que está de olhos fechados e se coloca no lugar de cego e o outro no lugar de guia e orienta a pessoa que não vê).
"A mais antiga de todas as sociedades, e a única natural, é a da família; ainda assim só se prendem os filhos ao pai enquanto dele necessitam, para a própria conservação. Desde que tal necessidade cessa, desfaz-se o liame (a ligação) natural. Os filhos, isentos da obediência que devem ao pai, e este, isento dos cuidados que deve aos filhos, voltam todos a ser igualmente independentes. Se continuarem unidos, já não é natural, mas voluntariamente, e a própria família só se mantém por convenção. (...)
Visto que homem algum tem autoridade natural sobre seus semelhantes e que a força não produz nenhum direito, só restam as convenções como base de toda a autoridade legítima existente entre os homens." Jean-Jacques Rousseau. O Contrato Social.
Atividades
1. Discuta as questões abaixo com seus colegas e coloque o seu pensamento a respeito:
a) A cidadania garante a liberdade individual?
b) Por que dependemos do outro para exercer a liberdade?
c) Podemos fazer tudo de que temos vontade?
d) A sociedade possibilita a liberdade ou a reprime?
2. Leia estes trechos:
Trecho 1
Ora, nada é mais meigo do que o homem em seu estado primitivo, quando, colocado pela natureza a igual distância da estupidez dos brutos e da luzes funestas do homem civil, e compelido tanto pelo instinto quanto pela razão a defender-se do mal que o ameaça, é impedido pela piedade natural de fazer mal a alguém sem ser a isso levado por alguma coisa ou mesmo depois de atingido por algum mal. ROUSSEAU, Jean-Jacques.
Discurso sobre a origem e os fundamenos de desigualdade entre os homens. São Paulo: Abril, 1978. p.264.
Trecho 2
O homem nasce livre e, por toda parte, encontra-se a ferros. O que se crê senhor dos demais não deixa de ser mais escravo do que eles. ROUSSEAU, Jean-Jacques.
O Contrato social. São Paulo: Abril, 1978. p.22.
A partir das ideias contidas nesses trechos:
a)Defina a condição do homem no seu estado natural;
b) Compare a situação do homem primitivo, descrita por Rousseau, com a situação vivida pelos homens nas sociedades industriais contemporâneas.
O ser humano é livre ou determinado?
- Eu sou uma pessoa determinada!
Você já afirmou isso ou pelo menos ouviu alguém dizer? As palavras "determinada, determinado ou determinismo" estão presentes no dia-a-dia em diversas situações, porém nem sempre com o mesmo significado. Segundo o Dicionário Houaiss,
determinismo indica o princípio segundo o qual tudo no Universo, até mesmo a vontade humana, está submetido a leis necessárias e imutáveis, de tal forma que o comportamento humano está totalmente predeterminado pela natureza, e o sentimento de liberdade não passa de uma ilusão subjetiva.
Parece complicado, mas não é: isso significa que nem sempre agimos conforme nossas vontades, porque existem
leis naturais que nos impedem. Não podemos voar, respirar embaixo da água, correr na velocidade do som ou da luz, comer plantas venenosas e assim por diante. Temos limitações!
Além das leis naturais, existem aquelas criadas em sociedade pelos vereadores, deputados, senadores, juízes, advogados e especialistas em leis (os juristas). Até os grupos organizados criam suas leis: entre presos nas penitenciárias, entre meninos e meninas de rua, entre lutadores, entre os ecologistas.
O filósofo francês Hippolyte Taine (1828-1893) chamava a atenção, já no século XIX, para o fato de sermos herdeiros diretos de uma raça, de um meio físico e cultural e do tempo histórico. Para ele, esses elementos formam nosso modo de ser e agir. No Brasil, as obras do escritor Aluisio de Azevedo retratam esse modo de pensar, especialmente nos romances
O Mulato e
O Cortiço.
As leis naturais e culturais existem e devemos conviver com elas. Usando a inteligência e a criatividade, o ser humano aproveitou os desafios e determinismos oferecidos pelas leis naturais para criar maneiras de viver, e desenvolveu objetos que aumentaram seu poder de ação na sociedade. Automóveis, móveis, cidades, eletrodomésticos, máquinas, shoppings e outras criações ajudaram a melhorar a vida e o poder de liberdade, de pensamento e de ação. Nós podemos nos determinar!
A autodeterminação faz as pessoas sentirem-se bem, trabalharem com alegria e relacionarem-se umas com as outras, com segurança e vontade. Fazer escolhas e tomar decisões por conta própria torna-as mais realizadas. A consciência dos determinismos natural e cultural e a capacidade de autocontrole constituem o
livre-arbítrio. Como acreditava o filósofo alemão Karl Jaspers (1883-1969), só nos momentos em que exerço minha liberdade é que sou plenamente eu mesmo: ser livre significa ser eu mesmo.
A interessante visão do filósofo Jaspers leva-nos a concluir que o ser humano é livre e determinado ao mesmo tempo. Livre porque é capaz de pensar e decidir por si mesmo; determinado porque vive em sociedade. Tal conclusão nos faz pensar filosoficamente a liberdade sob três aspectos:
1. A liberdade é essencial para todos os seres humanos, independentemente de credo, raça, condição social, política ou econômica.
2. A liberdade deve ser garantida para todos os indivíduos, através da Constituição do país, como convenção ou acordo social: a pessoa tem o direito de ser livre e o dever de respeitar a liberdade dos seus pares.
3. A liberdade é um valor ou direito inalienável do ser humano, sendo a escravidão considerada antiética e imoral.
Tendo consciência das forças ou leis que agem sobre nós, fica mais fácil alimentar a vontade e exercitar a inteligência para escolher a direção que desejamos tomar; em outras, estabelecer um projeto de vida com livre-arbítrio.
Atividades
Pesquisem na internet, em livros, jornais ou revistas como funciona uma prisão ou uma penitenciária e, em seguida, procedam conforme explicado a seguir.
a) Descrevam o funconamento do local pesquisado: quem está preso, quem toma conta oficialmente dos presos, qual a regra para visitas, quais as principais penas, qual o tempo médio de prisão.
b) Discuta e opine sobre a pena de morte existente em alguns países como os EUA.
Será que existe destino?
Strudiwick - Um fio de ouro - 1885 - óleo sobre tela Tje Tate Gallery, Londres
As Moiras, divindades gregas, eram três irmãs que teciam o destino das pessoas desde o nascimento até a morte. O fio era trabalhado na trama da vida e cortado quando, arbitrariamente, as Moiras decidiam, encerrando assim a existência.
Você acredita em destino? Já ouviu dizer que sua vida estava escrita antes de vocês nascer? Aquele que crê nisso está influenciado pela ideia determinista, que consiste em entender a realidade como uma situação preestabelecida e independemente da vontade humana. Existem religiões que defendem a ideia de que o ser humano apenas faz o que já havia sido determinado por Deus ou pelos deuses.
No cristianismo, por exemplo, acredita-se que Deus dotou o homem de livre-arbitrio: capacidade de escolher entre o bem e o mal, ou seja, de escolher o próprio caminho. O destino do ser humano, traçado por Deus, é fazer escolhas para a vida e, racionalmente, viver da forma como optou.
Isso nos leva a pensar no seguinte: quando não se tem poder de decisão sobre os rumos da própria vida, ou seja, quando se acredita em destino traçado por forças naturais ou divinas, nada do que se faz poderá interferir no resultado. Destino é viver o que foi planejado por uma mente ou um ser mais poderoso.
Quando se acredita na liberdade, ao contrário, tudo pode ser feito, modificado ou criado quantas vezes forem necessárias. A vida passa a ter mais sentido e as realizações ganham maior importância. "Ter o pé no chão" é não aceitar o destino traçado, independentemente de nossa vontade ou desejo.
Atividades
1. Leia o texto a seguir e identifique se existem manifestações do destino.
Amala e Kamala: as meninas-lobo
Na Índia, onde os casos de meninos-lobo foram relativamente numerosos, descobriram-se, em 1920, duas crianças. Amala e Kamala, vivendo no meio de uma família de lobos. A primeira tinha um ano e meio e veio a morrer um ano mais tarde. Kamala, de oito anos de idade, viveu até os 16 anos e morreu em 1929. Não tinham nada de humano, e seu comportamento era exatamente semelhante àquele de seus irmãos lobos.
Elas caminhavam de quatro, apoiando-se sobre os joelhos e cotovelos para os pequenos trajetos e sobre as mãos e os pés para os trajetos longos e rápidos.
Eram incapazes de permanecer em pé. Só se alimentavam de carne rua ou podre. Comiam e bebiam como os animais, lançando a cabeça para frente e lambendo os líquidos. Na instituição onde foram recolhidas, passavam o dia acabrunhadas e prostradas numa sombra. Eram ativas e ruidosas durante a noite, procurando fugir e uivando como lobos. Nunca choravam ou riam.
Kamala viveu oito anos na instituição que a acolheu, humanizando-se lentamente. Necessitou de seis anos para aprender a andar e, pouco antes de morrer, tinha um vocabulário de apenas cinquenta palavras. Atitudes afetivas foram aparecendo aos poucos. Chorou pela primeira vez quando Amala morreu e se apegou lentamente às pessoas que cuidaram dela, bem como às outras com as quais conviveu. Sua inteligência permitiu-lhes comunicar-se por gestos, inicialmente, e depois por palavras de um vocabulário rudimentar, aprendendo a executar ordens simples. LEYMOND, B.
Le development social de l'enfant et del'adolescent.Bruxelles: Dessart, 1965. p. 12-14.
Analisem a história e respondam às questões propostas.
a) Por que as meninas-lobo não tinham comportamentos iguais aos de um ser humano considerado normal ou civilizado?
b) Por que não conseguiam permanecer em pé, como os seres humanos?
c) Quais as razões prováveis que explicam a dificuldade de Kamala em manifestar atitudes afetivas em relação aos outros?
d) O fato de as meninas-lobo terem sido levadas para um orfanato indica que seus destinos estavam traçados, ou resultou da interferência humana na vida delas?
e) Defina o que são destino, determinismo e liberdade. Cite um exemplo prático para ilustrar cada definição.
Liberdade é responsabilidade
O exercício da liberdade individual leva-nos a assumir responsabilidades à medida que
nossas ações afetam positiva ou negativamente nossos semelhantes. Nesse sentido, o filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980) diz que o homem está condenado a ser livre. Condenado porque não se criou a si mesmo; e como, no entanto, é livre, uma vez que foi lançado ao mundo, é responsável por tudo o que faz. Ser livre é aprender a conviver, viver junto, respeitando os limites de cada um, aprendendo a compartilhar os sonhos, a vida, as alegrias, as esperanças.
Graças a essa compreensão da liberdade, surgiu na Europa, entre os séculos XIX e XX, a filosofia da existência ou existencialismo, tornando-se influente no período pós-Segunda Guerra Mundial, como resposta a uma situação histórica européia nunca antes observada: países separados pelo capitalismo e socialismo; destruição da infra-estrutura de saúde, educação, segurança, trabalho, moradia e transportes; genocídio de judeus e eslavos; perda de liberdade com regimes totalitários; descrença em relação à diplomacia e ao diálogo, como consequência do conflito armado.
O existencialismo surgiu visando a resgatar o sentido da vida depois das atrocidades e destruições nas duas guerras, afirmando que o ser humano foi lançado no mundo para enfrentar problemas e encontrar soluções - através da racionalidade e das emoções - sem a necessidade de usar, como ferramenta, métodos e técnicas científicas para provar a superioridade de um povo sobre outro.
Para levar em frente as denúncias e suas teses, os filósofos existencialistas criaram e se dividiram em duas grandes correntes: o existencialismo cristão, que procura relacionar a existência humana (seus erros e acertos) com Deus, tendo como representante principal o filósofo Kierkegaard; e o existencialismo humanista, que investiga a natureza da existência humana como sendo passageira, contingente, autocriadora e autodestruidora, tendo como representantes principais os filósofos Heidegger e Sartre.
EXISTENCIALISMO CRISTÃO
Soren Kierkeggard, considerado o precursor do movimento existencialista, em função da ardente fé cristã, sofreu com chacotas e críticas de todo tipo. O cristão, dizia, deve seguir verdadeiramente os ensinamentos de Jesus Cristo, porque o cristianismo é de uma seriedade tremenda: é nesta vida que se decide a tua eternidade (...).
Ele define o indivíduo como ser moral autônomo. O que determina o homem como ser moral é o fato de que somente ele tem capacidade de tomar decisões: pela atitude decidida, cada um cria sua vida e se assume sendo quem é. Para Kierkeggard, a escolha e a decisão têm implicações religiosas, pois a alma individual está ligada diretamente a Deus.
EXISTENCIALISMO HUMANISTA
Para
Martin Heidegger, filósofo existencialista mais influente do século XX, o homem é o único ser qque tem consciência da própria existência. O fato de ele existir implica necessariamente existir num mundo juntamente com os outros, com os animais e com o mundo físico (objetos, coisas).A vida em conjunto tanto pode ser alienante, uma que assumimos o que os outros pensam, quanto autêntica, visto sermos livres para escolher o modo de viver. Para Heidegger, a liberdade só tem sentido associada à responsabilidade de assumir o próprio ser.
Jean Paul Sartre, filósofo mais popular de todos os tempos, teve brilhante carreira literária, além de ser professor colegial de filosofia.
Sua contribuição mais marcante no movimento existencialista foi a de afirmar que a existência
precede a essência. Isso significa dizer que o homem faz a si mesmo no ato de existir, ou seja, não há nenhum projeto ou destino que determine seu modo de ser. A liberdade, para ele, significa criar a si mesmo, sempre assumindo o compromisso social com a responsabilidade de seus atos.
Atividades
1. O que você entende por tomar decisão? Associe decisão com liberdade.
2. O que Heidegger quer dizer com "a liberdade só tem sentido associada à responsabilidade"?
3. Explique como surgiu o movimento existencialista e quais as suas principais ideias.
4. (UFMG) Leia este trecho:
O homem é, antes de mais nada, um projeto que se vive subjetivamente, em vez de ser um creme, qualquer coisa podre ou uma couve-flor; nada existe anteriormente a este projeto; nada há inteligível, e o homem será antes de mais nada o que tiver projetado ser. Não o que ele quiser ser. Porque o que entendemos vulgarmente por querer uma decisão consciente e que, para a maior parte de nós, é posterior àquilo que ele próprio se fez. Posso querer aderir a um partido, escrever um livro, casar-me; tudo isso não é mais do que a manifestação duma escolha mais original, mais espontânea do que o que se chama de vontade. Mas se verdadeiramente a existência precede a essência, o homem é responsável por aquilo que é (...)
Se, com efeito, a existência precede a essência, não será nunca possível referir uma explicação a uma natureza dada e imutável; por outras palavras, não há determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade (...).
... o homem, sem qualquer apoio e sem qualquer auxílio, está condenado a cada instante a inventar o homem. SARTRE, Jean-Paul.
O existencialismo é um humanismo. São Paulo: Abril Cultural, 1978. p. 6, 9 e 10.
Com base na leitura desse trecho e em outros conhecimentos presentes nessa obra de Sartre:
a) Explique o que o autor quer dizer ao afirmar que a existência precede a essência.
b) Argumente a favor ou contra a ideia do autor de que o homem está condenado a ser livre.
5. Leia o texto complementar de Sartre sobre a questão de liberdade e responda à questão.
O existencialista não pensará também que o homem pode encontrar auxilio num sinal dado sobre a Terra, e que o há de orientar; porque pensa que o homem decifra ele mesmo esse sinal como lhe aprouver. Pensa, portanto, que o homem, sem qualquer apoio e sem qualquer auxilio, está condenado a cada instante a inventar o homem. (Sartre)
O texto diz respeito aos assunto liberdade. Explique o conceito de liberdade, segundo Sartre, e cite um exemplo que se relacione ao seu cotidiano.
Fonte: Filosofia. Ensino Médio. Editora Dom Bosco. Curitiba-PR.1998.