Para os filósofos gregos, ética e política se complementam, pois para governar bem é preciso ser ético. O bom governante deveria cuidar bem da pólis (cidade-estado).
Mas essa visão grega da relação necessária entre ética e política será modificada no início da modernidade com Nicolau Maquiavel (1469-1527). Nascido em Florença, Itália, Maquiavel foi um dos grandes responsáveis pela noção moderna de poder. Em Maquiavel também encontramos uma renovação do sentido e da relação entre ética e política. Desta forma, muito folclore se construiu em torno de seu nome e de sua pessoa, principalmente pela interpretação precipitada que se fez muitas vezes de seu pensamento. Conforme o texto de RUSSEL: "é costume sentir-se a gente chocada por ele, e não há dúvida de que, às vezes, ele é realmente chocante. Mas muitos outros homens também o seriam, se fossem igualmente livres de hipocrisia" (RUSSEL, 1967, p. 20). Maquiavel foi compreendido como alguém imoral e desprovido de quaisquer valores. Por isso o termo "maquiavélico" é pejorativo. Mas, seria Maquiavel digno dessa fama? O que ele pretendia?
Maquiavel choca por fazer uma análise do homem considerando-o a partir de uma de suas facetas, a do egoísmo. Se para Aristóteles e para o pensamento greco-cristão no geral o homem buscava a vida em sociedade, o bem viver como algo natural, para Maquiavel "os homens tendem /.../ à divisão e à desunião." (PINZANI, 2004, p. 19)
Maquiavel era um homem de seu tempo, do Renascimento. Homem de idéias políticas, ele procurou entender a natureza e os limites do poder político. Maquiavel contemplou uma realidade; a realidade da sua Itália, dividida, fragmentada em diversos principados e ducados. Numa constante briga pelo poder e, inevitavelmente alternâncias constantes dos governantes, a Florença de Maquiavel refletia o que ocorria também com as demais cidades italianas importantes do período. Para ele não se apresentava logicamente o idela cristão, mas sim algo que lhe seria entendido como próprio do homem, a luta pelo poder. Por isso, os homens mentiam, matavam e julgavam-se acima da moral.
Contudo, Maquiavel considera a necessidade de governantes bons e virtuosos. Para ele a diferença está em que a bondade e a virtude não pertencem à natureza humana do governante, mas sim resultam da sua compreensão e atuação sobre o real. Sem preocupar-se em desenvolver teorias, como fizeram outros pensadores, Maquiavel avalia a realidade e "interpreta os seus escritos como compêndios de conselhos práticos e de instruções para a ação." (PINZANI, 2004, p. 16) Por isso, "influenciar a realidade, e não desenvolver teorias é o seu propósito." (PINZANI, 2004, p. 16)
Ao contrário dos manuais que indicavam como devia agir um soberano, obras comuns na Idade Média e no Renascimento, o verdadeiro propósito de sua obra O Príncipe é a exortação para se tomar a Itália e libertá-la das mãos dos bárbaros, como pode ser constatado no capítulo final da mesma:
depois de considerarmos tudo o que vimos até aqui, de ter refletido sobre se o momento histórico não seria propício para termos um novo monarca na Itália, se não seria agora a oportunidade para que um homem prudente e capaz introduzisse no país uma nova forma de governo, que honrasse e beneficiasse o povo, parece-me que são muitas as circunstâncias que concorrem para a subida ao trono de um novo soberano; de fato, não sei de nenhuma outra época mais oportuna para tanto, / .../ E embora já tenhamos tido algum vislumbre de esperança, fazendo pensar que Deus teria enviado alguém para redimi-la a sorte o derrubou no ponto culminante da sua carreira, agora, quase sem vida, a Itália espera por quem lhe possa curar as feridas e ponha fim à pilhagem na Lombardia, à capacidade e à extorsão no reino de Nápoles e na Toscana, curando-as das chagas abertas há tanto tempo. Pede a Deus que lhe envie alguém capaz de libertá-la dessa insolência, dessa bárbara crueldade. Está disposta a seguir uma bandeira, desde que alguém a empunhe. (MAQUIAVEL, 2005, p. 150-151).Questões para debate...1. Qual a mudança de paradigma na relação entre ética e política dos gregos antigos e de Maquiavel?2. Como entendemos o que é poder? O que significa poder para a sociedade?3. Há diferenças entre as concepções de poder nos dias de hoje e de antigamente? O que tem a ver política e poder?4. Quais meios os políticos atuais usam para chegarem ao poder? Eles são válidos? Por quê?